LUIZ CLÁUDIO BARRETO SILVA

5 de maio de 2023

A mitigação da regra prevista pelo art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro

Filed under: ADMINISTRATIVO — lcbsa2 @ 21:54

Após a aquisição de veículo por terceiro não se pode cogitar de autuação do antigo proprietário, uma vez comprovada a mencionada alienação, mesmo que não tenha se levado a efeito a transferência do veículo no Órgão executivo de trânsito.

É certo que o Código de Trânsito[i] estabelece regras no sentido de responsabilizar o antigo proprietário de forma solidária, como se extrai da redação de seu artigo 134:

Art. 134.  No caso de transferência de propriedade, expirado o prazo previsto no § 1º do art. 123 deste Código sem que o novo proprietário tenha tomado as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro de Veículo, o antigo proprietário deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal, no prazo de 60 (sessenta) dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação.        (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência)

 Parágrafo único. O comprovante de transferência de propriedade de que trata o caput deste artigo poderá ser substituído por documento eletrônico com assinatura eletrônica válida, na forma regulamentada pelo Contran.   (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020)

No entanto, as mencionadas regras foram mitigadas pela jurisprudência, afastando a responsabilização solidária quando comprovado que o antigo proprietário vendeu o seu veículo antes de infração realizada pelo adquirente.

Nessa linha de entendimento, julgado do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, com a demonstração da orientação jurisprudencial daquela Corte:

“Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a regra prevista no art. 134 do CTB sofre mitigação quando ficarem comprovadas nos autos que as infrações foram cometidas após a aquisição de veículo por terceiro, ainda que não ocorra a transferência afastando a responsabilidade do antigo proprietário” [ii]

No mesmo sentido, julgado do Tribunal Regional Federal da 2ª. Região, da relatoria do Desembargador federal Guilherme Diefenthaeler, com ementa dentro dos seguintes termos:

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. ANTT. INFRAÇÃO COMETIDA APÓS A ALIENAÇÃO DO VEÍCULO. AFASTADA A RESPONSABILIDE DO ALIENANTE. MITIGAÇÃO DO ART. 134 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. A PELAÇÃO DESPROVIDA. 1. In casu, o Juízo a quo acolheu a exceção de pré-executividade apresentada pelo Apelado, reconhecendo sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação executiva, uma vez que alienou o veículo autuado para terceiro em data anterior à autuação efetivada pelo órgão Exequente. 2. É cediço que o Código de Trânsito Brasileiro determina que o proprietário anterior comunique ao Detran a venda de veículos automotores até 30 (trinta) dias após efetivada a alienação, conforme art. 134. 3. A jurisprudência do STJ e desta Corte tem mitigado o comando legal do art. 134 do CTB sob o argumento de que o antigo proprietário não pode ser responsabilizado por infrações cometidas por terceiros. 4. Apelação desprovida” [iii]

Na mesma linha de entendimento, julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª. Região, da relatoria do Desembargador Federal Carlos Augusto Pires Brandão, com a seguinte ementa:

“Dispõe o 134 do CTB que o alienante do veículo tem o dever de comunicar a transferência do automóvel ao órgão executivo de trânsito do Estado, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação.  Ocorre que a jurisprudência do STJ tem mitigado a regra prevista no art. 134 do CTB: comprovado nos autos que a infração ocorreu em data posterior à da efetiva transferência da propriedade do veículo, fica afastada a responsabilidade do antigo proprietário, independente da comunicação ao órgão de trânsito competente (AgInt no REsp 1791704/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 02/12/2019, DJe 04/12/2019).  Assim, inexistindo dúvida de que as infrações não foram cometidas no período em que tinha o apelado a propriedade do veículo, não deve ele sofrer qualquer tipo de sanção, ainda que não tenha formalizado a transferência nos moldes da legislação de regência” [iv]

Por conseguinte, e sem desmerecer os entendimentos em sentido contrário, não se pode cogitar de responsabilização do ex-proprietário de veículo por infração ao Código de Trânsito Brasileiro praticada pelo adquirente após a venda, devidamente comprovada. 


Notas e referências bibliográficas

[i] BRASIL. LEI Nº 9.503, DE 23 DE SETEMBRO DE 1997.  institui o Código de Trânsito Brasileiro. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503compilado.htm . Acesso em: 5 maio. 2023.

[ii] STJ – Resp. 1860887 SP 2020/0028128-3, Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/863222559 . Acesso em: 4 maio.2023.

[iii] TRF-2. AC: 00102553720124025001 ES 0010255-37.2012.4.02.5001. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trf-2/345012337/inteiro-teor-345012343 . Acesso em: 26 abr. 2023.

 [iv] TRF-1ª. Região. AC: 10000268120174013310. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trf-1/1280790319 . Acesso em: 26 abr. 2023).

3 de novembro de 2020

Ação revisional não interrompe prazo prescricional para a execução

Filed under: Direito Civil — lcbsa2 @ 2:09

O ajuizamento de ação revisional de contrato não interrompe o prazo prescricional para a execução. Isso acontece porque a mencionada ação não inibe a mora do devedor (Súmula 380/STJ) [i]. Por isso, ajuizada ação revisional e caracterizada a inércia do credor em ajuizar a ação de execução, a consequência é a prescrição, caso não proposta a ação dentro do prazo previsto em lei.

Não se desconhece a existência de julgados isolados em sentido diverso entendendo que o prazo prescricional só acontece após o trânsito em julgado da ação revisional.

No entanto, não é esse o entendimento predominante no Superior Tribunal de Justiça, o que se extrai de precedente da relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, com ementa dentro dos seguintes termos:

AGRAVO   INTERNO   NO   RECURSO   ESPECIAL.   EXECUÇÃO   DE   TÍTULO EXTRAJUDICIAL.  PRESCRIÇÃO.  A  PROPOSITURA  DE  AÇÃO  REVISIONAL DE CONTRATO NÃO INIBE A MORA. LOGO, NÃO INTERROMPE A PRESCRIÇÃO. RAZÕES RECURSAIS INSUFICIENTES. AGRAVO DESPROVIDO. 1.  A  propositura  de ação revisional pelo devedor não impede que o credor  busque  a  satisfação do seu crédito, não havendo, portanto, interrupção do prazo prescricional. 2. Razões recursais insuficientes para a revisão do julgado”.[ii]

Em igual sentido, precedente da relatoria do Ministro Raul Araújo, com a seguinte ementa:

Segundo a jurisprudência desta  Corte  Superior,  como a ação revisional não exclui a mora do devedor  (Súmula 380/STJ), também não possui o condão de interromper o  prazo  prescricional  da ação executiva. Isso, porque o manejo da revisional  não  impede  que  o  credor  busque  a satisfação do seu crédito”. [iii]

Na mesma linha de entendimento, precedente da relatoria do Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª REGIÃO), dentro dos seguintes termos:

Segundo a jurisprudência  desta Corte Superior, a ação revisional não exclui a mora  do  devedor  (Súmula 380/STJ), bem como não possui o condão de interromper  o prazo prescricional da ação executiva, tendo em vista que  a revisional não impede que o credor busque a satisfação do seu crédito”. [iv]

É também o posicionamento do Ministro Luís Felipe Salomão, em precedente de sua relatoria, dentro dos seguintes termos:

Em um primeiro momento, vislumbra-se correta a análise feita pelo juízo a quo, levando em conta a ausência de informação acerca de fato interruptivo da prescrição. Apesar da posterior informação acerca de eventual causa interruptiva da prescrição, O Superior Tribunal de Justiça, em recentíssimo julgado, alterou o entendimento quanto a interrupção do prazo prescricional em razão do ajuizamento de ação Revisional: Nesse sentido: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TITULO EXTRAJUDICIAL. PRESCRIÇÃO. A PROPOSITURA DE AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO NÃO INIBE A MORA. LOGO. NÃO INTERROMPE A PRESCRIÇÃO. RAZÕES RECURSAIS INSUFICIENTES. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A propositura de ação revisional pelo devedor não impede que o credor busque a satisfação do seu crédito, não havendo, portanto, interrupção do prazo prescricional. 2. Razões recursais insuficientes para a revisão do julgado. 3. Agravo interno desprovido. (Aglnt. no REsp. 1635585/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 03/08/2017) Desta forma, em homenagem ao v. julgado supracitado, ratificou a r. sentença em sua integralidade, confirmando a decretação da pretensão autoral. O entendimento firmado no acórdão está em consonância com a jurisprudência desta Corte, confira (grifamos): AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECLARATÓRIA DE PRESCRIÇÃO DE COBRANÇA. AÇÃO ANTERIOR DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. AÇÃO REVISIONAL. EXCLUSÃO DA MORA DO DEVEDOR. DESCABIMENTO. SÚMULA 380/STJ. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DA AÇÃO EXECUTIVA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Fica inviabilizado o conhecimento de tema trazido no recurso especial, mas não debatido e decidido nas instâncias ordinárias, que tampouco foi alvo dos embargos de declaração opostos, para sanar eventual omissão, porquanto ausente o indispensável prequestionamento. Aplicação, por analogia, das Súmulas 282 e 356 do STF. 2. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, como a ação revisional não exclui a mora do devedor (Súmula 380/STJ), também não possui o condão de interromper o prazo prescricional da ação executiva. Isso, porque o manejo da revisional não impede que o credor busque a satisfação do seu crédito. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1339926/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 05/02/2019, DJe 15/02/2019). AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PRESCRIÇÃO. A PROPOSITURA DE AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO NÃO INIBE A MORA. LOGO, NÃO INTERROMPE A PRESCRIÇÃO. RAZÕES RECURSAIS INSUFICIENTES. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A propositura de ação revisional pelo devedor não impede que o credor busque a satisfação do seu crédito, não havendo, portanto, interrupção do prazo prescricional. 2. Razões recursais insuficientes para a revisão do julgado. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1635585/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 03/08/2017)”. [v] 

Portanto, e sem desmerecer as opiniões em sentido diverso, ajuizada ação revisional pelo devedor e caracterizada a inércia do credor em promover a ação de execução dentro do prazo legal, a conseqüência é a prescrição da força executiva de seu título, uma vez que não há na espécie a interrupção do prazo prescricional.


Notas e referências bibliográficas

[i] SÚMULA n. 380 do STJ: A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor. 

[ii] STJ. AgInt. no RECURSO ESPECIAL Nº 1.635.585 – PR. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=72738042&num_registro=201602859705&data=20170803&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 29 out. 2019. (Destacou-se).

[iii]  STJ. AgInt. no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.339.926 – PR. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=89430951&num_registro=201801958200&data=20190215&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 29 out. 2019. (Destacou-se).

[iv] STJ. AgInt. no AREsp. 1305630 / MA. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=87325044&num_registro=201801359806&data=20180921&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 29 out. 2019. (Destacou-se).

[v] STJ. EDcl.  no AREsp. 1536576. Disponível em: https://a2v.stj.jus.br/processo/dj/documento/mediado/?sequencial=102513262&tipo_documento=documento&num_registro=201901959643&data=20191029&formato=PDF. Acesso em: 29 out. 2019.  (Destacou-se).

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12 de junho de 2019

São devidos honorários advocatícios na execução fiscal cancelada a pedido do exequente após a citação do executado e apresentação de embargos?

Filed under: DIREITO TRIBUTÁRIO — lcbsa2 @ 22:46

Estabelece a Lei de Execução Fiscal[i] que se o débito for cancelado a execução deverá ser extinta, sem ônus para a parte. É o que preceitua o art. 26 da mencionada lei, como se extrai de sua dicção:

Art. 26 – Se, antes da decisão de primeira instância, a inscrição de Divida Ativa for, a qualquer título, cancelada, a execução fiscal será extinta, sem qualquer ônus para as partes.

Não se desconhece a existência de entendimentos  no sentido de que não são devidos honorários quando o credor na execução fiscal pede o cancelamento do débito,  tendo em vista trecho do artigo que diz que a execução será extinta “sem qualquer ônus para as partes”.  Além disso, existe a hipótese de erro, como acontece quando o contribuinte não apresenta retificadora a tempo,  ou o credor só aprecia a retificadora a destempo, o que enseja exame mais acurado para se apurar quem será  responsabilizado pela verba sucumbencial.

Nesse sentido, precedente do Superior Tribunal de Justiça, conhecido com recurso repetitivo (Tema 143),  da relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, com fragmento de ementa dentro dos seguintes termos:

“O contribuinte que erra no preenchimento da Declaração de Débitos e  Créditos  Tributários  Federais  – DCTF deve ser responsabilizado pelo  pagamento  dos  honorários  advocatícios,  por  outro  lado, o contribuinte  que  a  tempo  de  evitar  a execução fiscal protocola documento  retificador  não  pode  ser penalizado com o pagamento de honorários  em  execução  fiscal  pela  demora  da  administração em analisar seu pedido. Hipótese  em que o contribuinte protocolou documento retificador antes  do  ajuizamento da execução fiscal e foi citado para resposta com  a consequente subsistência da condenação da Fazenda Nacional em honorários”.[ii]

No entanto, embora a lei se refira ao fato de que a extinção deve ser sem ônus para as partes, o entendimento pacificado (porque deve ser sem ônus para ambas as partes), é no sentido de que o Exequente deve responder pelos honorários, tendo em vista o fato de que o Executado após a citação contratou advogado para sua defesa, e por isso o credor deve responder pelos honorários advocatícios.

Sobre o assunto, as oportunas considerações de  Humberto Theodoro Júnior:

“A meu sentir, pois, o que pode a Fazenda é desistir da execução sem ter que pagar as custas do processo executivo. Mas, se houver EMBARGOS, esta ação é do devedor e dela não poderá desistir a credora (ré no incidente). Assim, aquelas custas e aqueles gastos de honorários já efetuados pelo embargante TERÃO QUE SER RESSARCIDOS PELA FAZENDA SUCUMBENTE. É que o cancelamento da inscrição da Dívida Ativa ajuizada perante os embargos será forma de reconhecimento do pedido, acarretando a quem confessa sua procedência a situação de sucumbente, com todos os seus consectários”.[iii]

Não discrepa do entendimento José da Silva Pacheco:

“Haverá ônus relativos aos honorários e reposição de despesas efetivas no caso de desistência posterior à oposição de embargos, independentemente de qualquer ato do embargante (letras b ou d, supra) não havendo, nesta hipótese, necessidade de se indagar se seriam estes procedentes ou improcedentes”. [iv]

No campo jurisprudencial a matéria não  comporta maiores debates diante da edição da Súmula n. 153, do STJ,  nos seguintes termos:

153 – A desistência da execução fiscal, após o oferecimento dos embargos, não exime o exequente dos encargos da sucumbência. [v]

Portanto, e sem desmerecer os entendimentos em sentido diverso, a desistência da execução em razão de seu cancelamento, após a citação do executado e contratação de advogado para sua defesa, enseja a condenação do credor em honorários de advogado, não se aplicando na hipótese a ressalva do artigo 26 da Lei de Execução Fiscal.

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Notas e referências bibliográficas

[i] BRASIL. LEI No 6.830, DE 22 DE SETEMBRO DE 1980.  Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm. Acesso em: 22 maio. 2019.

ii] STJ. Esp 1111002 . Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200900161937&dt_publicacao=01/10/2009 . Acesso em: 22 maio. 2019.

[iii] THEODORO JÚNIOR,  Humberto. Lei de execução fiscal. São Paulo: Saraiva,  1993, p. 116. (Destacou-se).

[iv] PACHECO,  José da Silva. Comentários à Lei de Execução Fiscal. São Paulo: Saraiva,  1996, p. 238.

[v] Súmula 153. In: Revista do Superior Tribunal de Justiça. Brasília: Brasília Jurídica,   v. 86, out./1996,  p. 59.

 

21 de fevereiro de 2019

Qual o prazo no atual Código de Processo Civil para especificação de provas?

Filed under: DIREITO PROCESSUALCIVIL,Juros — lcbsa2 @ 15:17

Não existe expressa previsão no Código de Processo Civil para a especificação de provas. Por tal motivo, compete ao juiz fixar o prazo. Não o fazendo, o prazo será o de cinco dias,  como preceitua o artigo 218, § 1º. e 3º. [i] do Código de Processo Civil.

Sobre o assunto, a lição de Alexandre Freitas Câmara:

“A lei não prevê expressamente qual será o prazo para que o autor especifique as provas que pretende produzir. Em razão disso, caberá ao juiz determinar o prazo de que o autor disporá e, em seu silêncio, este prazo será de cinco dias, nos termos do disposto no art. 218, §§ 1o e 3o.”. [ii]

Em igual sentido, o posicionamento de Humberto Theodoro Júnior:

“Entretanto, há casos em que, mesmo sem a resposta do réu, o autor não se desobriga do ônus de provar os fatos jurídicos que servem de base à sua pretensão, como ocorre nos litígios sobre direitos indisponíveis. Quando isto se dá (art. 345), o juiz, após escoado o prazo de contestação, profere despacho mandando que o autor especifique as provas que pretenda produzir na audiência (art. 348). O prazo de especificação fica a critério do juiz, mas se não houver estipulação expressa no despacho será de cinco dias, conforme a regra do art. 218, § 3º.”. [iii]

Portanto, diante da falta de previsão na legislação processual, o prazo para especificar provas deve ser fixado pelo juiz e caso não o faça ele será de cinco dias como estabelece do artigo 218, § 1º.  e 3º.  do Código de Processo Civil.

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Notas e referências bibliográficas

[i] Art. 218. Os atos processuais serão realizados nos prazos prescritos em lei.

§ 3º. Inexistindo preceito legal ou prazo determinado pelo juiz, será de 5 (cinco) dias o prazo para a prática de ato processual a cargo da parte

,[ii] CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. E-Book, n/p.

[iii] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. V. I. 56 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, e-book, n.p.

10 de dezembro de 2018

Revisitando a “Oração aos Moços”

Filed under: Juros — lcbsa2 @ 16:40

O momento atual nos conclama à revisitação do trabalho de Rui [i] Barbosa, o nosso Águia de Haia, especialmente a conhecida Oração aos Moços[ii]. Nela, nosso saudoso jurista já advertia aos julgadores:

“Não militeis em partidos, dando à política o que deveis à imparcialidade. Dessa maneira venderíeis as almas e famas ao demônio da ambição, da intriga e da servidão às paixões mais detestáveis

Essa advertência, pelo que se vê, não é observada. Notícias de intensa ligação, a ponto de se identificarem indicações para as Cortes Maiores de colegas de partido, e o seu nefasto resultado, invadem diariamente o noticiário revelando o acerto e o vaticínio de nosso saudoso jurista.

Outro ponto, que merece destaque e que causa profunda irresignação e grave transgressão às prerrogativas daqueles que exercem a nobre atividade da Advocacia, é a resistência de alguns julgadores em receber os profissionais, e quando os recebem, a necessária urbanidade passa ao largo desses encontros, merecendo transcrição de trecho do trabalho de nosso saudoso jurista:

Não vos pareçais com esses outros juízes, que, com tabuleta de escrupulosos, imaginam em risco a sua boa fama, se não evitarem o contato dos pleiteantes, recebendo−os com má sombra, em lugar de os ouvir a todos com desprevenção, doçura e serenidade”.

A tão discutida morosidade do Judiciário, atribuída em parte ao grande número de recursos, tem outras causas muito mais graves e dentre elas não é de difícil identificação a do desinteresse, por motivos muitas vezes não justificáveis, de se realizar julgamentos em determinados processos, que se eternizam, como se extrai de fragmento da mencionada obra de nosso saudoso jurista

Mas a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir contra o delinquente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente. Não sejais, pois, desses magistrados, nas mãos de quem os autos penam como almas do purgatório, ou arrastam sonos esquecidos como as preguiças do mato.

O massacre do cidadão pelo fisco, com exigências, em muitas situações ilegais, abusivas e inconstitucionais, que levam na maioria das vezes à ruína e que obriga o cidadão a buscar o anteparo da Justiça, esbarra, lamentavelmente, em obstáculo de difícil ultrapassagem, que é a visão de determinados julgadores norteada a favor do Estado, o que fez o nosso renomado jurista, em seu trabalho aqui revisitado, lembrar o apelido dado a eles de Juízes fazendeiros:

“Não vos mistureis com os togados, que contraíram a doença de achar sempre razão ao Estado, ao Governo, à Fazenda; por onde os condecora o povo com o título de “fazendeiros”. Essa presunção de terem, de ordinário, razão contra o resto do mundo, nenhuma lei a reconhece à Fazenda, ao Governo, ou ao Estado. (…). Magistrados futuros, não vos deixeis contagiar de contágio tão maligno. Não negueis jamais ao Erário, à Administração, à União, os seus direitos. São tão invioláveis, como quaisquer outros. Mas o direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, que o do mais alto dos poderes. Antes, com os mais miseráveis é que a justiça deve ser mais atenta, e redobrar de escrúpulo; porque são os mais mal defendidos, os que suscitam menos interesse, e os contra cujo direito conspiram a inferioridade na condição com a míngua nos recursos.

E, para encerrar, nesta revisita a esta obra, finaliza-se com a conclamação aos Advogados, para que não deixem faltar, nestes embates entre o Estado e o cidadão, que não pode ser discriminado e alijado do combate, a necessária defesa:

“Na missão do advogado também se desenvolve uma espécie de magistratura. As duas se entrelaçam, diversas nas funções, mas idênticas no objeto e na resultante; a justiça. Com o advogado, justiça militante. Justiça imperante, no magistrado. “Legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado. Nelas se encerra, para ele, a síntese de todos os mandamentos. Não desertar a justiça, nem cortejá-la. Não lhe faltar com a fidelidade, nem lhe recusar o conselho. Não transfugir da legalidade para a violência, nem trocar a ordem pela anarquia. Não antepor os poderosos aos desvalidos, nem recusar patrocínio a estes contra aqueles. Não servir sem independência à justiça, nem quebrar da verdade ante o poder. Não colaborar em perseguições ou atentados, nem pleitear pela iniquidade ou imoralidade. Não se subtrair à defesa das causas impopulares, nem à das perigosas, quando justas. Onde for apurável um grão, que seja, de verdadeiro direito, não regatear ao atribulado o consolo do amparo judicial. Não proceder, nas consultas, senão com a imparcialidade real do juiz nas sentenças. Não fazer da banca balcão, ou da ciência mercatura. Não ser baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis. Servir aos opulentos com altivez e aos indigentes com caridade. Amar a pátria, estremecer o próximo, guardar fé em Deus, na verdade e no bem

Notas e referências bibliográficas

[i] COSTA, José Maria da. Ruy Barbosa ou Rui Barbosa. Gramatigalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/Gramatigalhas/10,MI57003,61044-Ruy+Barbosa+ou+Rui+Barbosa . Acesso em: 9 dez. 208.

[ii] BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/aosmocos.html . Acesso em: 9 dez. 2018.

5 de novembro de 2018

ISS DEVIDO POR CARTÓRIOS: NÃO INCIDÊNCIA SOBRE FUNDOS DE COMPENSAÇÃO OU DE CUSTEIO JUDICIÁRIO

 

O imposto sobre serviços incide sobre os emolumentos,  que constituem a receita do delegatário. Não há falar-se, por tal motivo, em incidência sobre fundos de compensação ou de custeio do judiciário. Por isso, a cobrança de ISS sem a observância desta segregação caracteriza excesso de cobrança e nítida transgressão à Constituição da República.

Não se desconhece que grande parte dos Municípios não faz esta separação de valores e se ampara em legislação própria, de discutível constitucionalidade, alcançando, indevidamente, outras verbas além dos emolumentos..

No entanto, o entendimento predominante é no sentido de que a incidência do ISS deve se restringir aos emolumentos sem alcançar outras verbas, dentre elas aos fundos em questão.

Sobre o assunto, as oportunas considerações de João Stinghen:

“A não incidência de ISS sobre verbas que não integram o preço do serviço. O critério material do ISS é a efetiva prestação de serviço com finalidade lucrativa, pois inexiste tributação de “serviço gratuito”. Afinal, nesse caso não se configura o signo presuntivo de riqueza, única realidade apta a desencadear a incidência de qualquer norma tributária.Conforme leciona Aldo de PAULA JUNIOR, o ISS incide sobre o objeto do contrato, e não sobre o valor integral do contrato. Afinal, “no contrato podem existir outros valores que serão recebidos pelo prestador mas que não compõem a sua remuneração porque são valores de titularidade de terceiros (…)” (PAULA JUNIOR, 2014, p. 243, grifos do autor). No caso das serventias extrajudiciais, apenas é lícito tributar o exato valor dos emolumentos, que constituem os honorários do agente delegado. As verbas advindas de fundos de compensação ou destinadas aos fundos de custeio do judiciário são como os “outros valores” de um contrato, a que aduziu o autor. Não correspondem ao preço dos serviços cartorários, não havendo incidência do ISS, por falta da concreção do fato imponível previsto em sua regra matriz de incidência (critério material)”. Ademais, no que tange aos valores recebidos pelos RCPN, eles não correspondem ao preço que seria normalmente pago pelo serviço, não sendo sua correta mensuração econômica. Logo, nesse caso também inexiste a satisfação do critério quantitativo do ISS – caracterizando ainda mais a não incidência”. [i]

Em igual sentido, posicionamento de  Marco Bartine Nascimento, em comentários  à legislação do Município de São Paulo:

Contudo, questiona-se: a base de cálculo do ISS deverá incidir sobre o montante de 100% (cem por cento) das custas e emolumentos ou sobre o montante relativo ao serviço efetivamente prestado, em conformidade com a materialidade já amplamente debatida em tópicos acima?  Ora, para se estabelecer a relação de prestação de serviço para a materialidade do ISS é obrigatória a existência de um prestador e um tomador de serviço, sendo que a base de cálculo deverá refletir no serviço efetivamente prestado, sob pena de se incluir na base de cálculo montante não referível a prestação de serviços propriamente dita.  O art. 19, I, a, da Lei Municipal 13.331/02 estabelece que a receita dos notários e registradores equivale a 62,5% (sessenta e dois inteiros e meio por cento) dos valores cobrados na Tabela de Custas e Emolumentos. Ora, se este é o montante destinado ao prestador de serviço, a base de cálculo do tributo deverá corresponder ao serviço efetivamente prestado, sob pena de deslocar o aspecto matricial de incidência do ISS por lei municipal, descaracterizando a segurança jurídica determinada pela Constituição Federal.  Se a incidência da alíquota máxima de 5% (cinco por cento) ocorrer sobre a totalidade da tabela de custas e emolumentos fixada, temos uma total inconsistência, pelos motivos abaixo assinalados:

  1. a) o valor do serviço prestado pelo notário e registrador constitui receita equivalente a 62,5% (sessenta e dois inteiros e meio por cento) dos valores cobrados na Tabela de Custas e Emolumentos, sendo esta a única composição da base de cálculo do referido imposto;
  2. b) se 17,763160% (dezessete inteiros, setecentos e sessenta e três mil, cento e sessenta centésimos de milésimos percentuais) são receita do Estado, em decorrência do processamento da arrecadação e respectiva fiscalização, a incidência do ISS mostra-se, de plano, indevida, uma vez que a referida tributação recai sobre receita do Estado, afrontando a imunidade tributária recíproca, nos termos do art. 150, VI, a da CF;
  3. c) se 13,157894% (treze inteiros, cento e cinquenta e sete mil, oitocentos e noventa e quatro centésimos de milésimos percentuais) são contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, qual o serviço prestado pelo IPESP (Instituto de Previdência do Estado de São Paulo) responsável pela administração da Carteira de Previdência, vez que sua finalidade, nos termos do art. 2º do Dec 30.550/89 é assegurar pensão mensal aos beneficiários, administrar sistemas de previdência de grupos profissionais diferenciados e operar Carteiras de Previdência? É fato que não há por parte do instituto nenhuma prestação de serviços que condiz com a incidência do referido imposto, além de afrontar a imunidade recíproca de entidades autárquicas e fundacionais, nos termos do 10 art. 150, §2º da CF, sendo de igual aplicação as demais distribuições de recursos. A base de cálculo de ISS sobre 100% (cem por cento) dos valores da tabela de custas e emolumentos fixada mostra-se indevido, vez que a incidência correta deve se dar sobre o montante de 62,5% (sessenta e dois inteiros e meio por cento), sendo que este é o montante destinado pelo serviço prestado”. [ii]

 Outro não é o entendimento de  Roberto A. Tauil:

 “O Preço do Serviço – Deste modo, a base de cálculo do ISS relativo aos serviços notariais e de registro público é o preço do serviço. No entanto, o preço pago pelo usuário do serviço não é o mesmo que vai se incorporar ao patrimônio do delegatário. Em todas as leis dos Estados há uma parcela do valor total destinada aos cofres públicos estaduais, sendo o titular do cartório o responsável por essa cobrança e posterior depósito ao Estado. Atua, portanto, como mero receptor da receita pública. No Estado de São Paulo, por exemplo, a Tabela do Tabelionato de Notas prevê para o serviço de Escritura com valor declarado:

Escritura Tabelião Estado IPESP MP Reg.Civil TJ Santa Casa Total
Até R$ 934,00 130,27 37,02 19,09 6,25 6,86 8,94 1,30 209,73

Entende-se, assim, que uma Escritura de valor até R$934,00 terá um custo total de R$209,73, mas a receita do Tabelião será de R$130,27. Neste caso, a base de cálculo do ISS será o valor de R$130,27, pois as demais parcelas não ingressam no patrimônio do prestador do serviço.

Exemplo em Minas Gerais:

Escritura Emolumentos Brutos (*) Taxa de Fiscalização Judiciária Valor Total
Até R$ 1.400,00 74,88 28,66 103,74

(*) – Em Minas Gerais há uma dedução no valor dos Emolumentos para constituir um Fundo de Compensação (RECOMPE), tendo por finalidade custear os serviços gratuitos. Não a consideramos na Tabela acima. De acordo com os exemplos acima, em São Paulo, além da taxa (custas) instituída pelo Estado, outros órgãos tiram alguns bocados do valor pago pelo usuário: Previdência, Ministério Público, Tribunal de Justiça e Santa Casa de Misericórdia. Ainda se obriga a compensar o Registro Civil pelos serviços gratuitos. Todas essas ‘mordidas legais’ estão excluídas da base de cálculo do ISS, pois não são despesas espontâneas ou custos necessários à prestação do serviço. Já no caso de Minas Gerais, temos apenas a exclusão da Taxa de Fiscalização Judiciária e o valor destinado ao Fundo de Compensação – RECOMPE. Pode-se dizer que, em termos gerais, o ISS tributa os Emolumentos, que representam a receita do titular do Cartório. As Custas e outros repasses determinados em lei não são tributáveis pelo imposto. Os recursos destinados ao fundo de compensação que visa remunerar os serviços gratuitos (tipo, certidão de nascimento) são tributáveis no Cartório que o recebe como remuneração pela prestação desses serviços”. [iii]

 

Por conseguinte, e sem desmerecer os entendimentos em sentido diverso, o Imposto Sobre Serviços deve restringir sua incidência sobre os emolumentos e não pode se estender a outras verbas em especial aos fundos.

 

Notas e referências bibliográficas

 

[i] STINGHEN, João. A não incidência do ISS sobre as verbas de natureza não remuneratória das Serventias Extrajudiciais. Disponível em: https://joaorodrigostinghen.jusbrasil.com.br/artigos/561219484/a-nao-incidencia-do-iss-sobre-as-verbas-de-natureza-nao-remuneratoria-das-serventias-extrajudiciais . Acesso em: 1 nov. 2018. (Destacou-se).

[ii] NASCIMENTO, Marco Bartine A incidência de ISS na atividade notarial e registral e a incidência da base de cálculo do ISS no município de São Paulo: considerações sobre a Lei Municipal 13.331/2002. Disponível em: http://www.arpensp.org.br/?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NDg3NTU . Acesso em: 1 nov. 2018. (Destacou-se).

[iii] Tauil, Roberto A. O ISS de Cartórios. Consultor Municipal. Disponível em: http://consultormunicipal.adv.br/artigo/tributos-municipais/30-03-2016-o-iss-de-cartorios/ . Acesso em: 5 nov. 2018.

24 de agosto de 2018

Processo Administrativo: Nulidade da Intimação por Diário Oficial

Filed under: ADMINISTRATIVO — lcbsa2 @ 16:33

A ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal são contemplados pela Constituição da República como garantias, tanto no processo administrativo, quanto no judicial. A exigência de que a intimação do contribuinte seja sempre pessoal é decorrência das aludidas garantias. Por essa razão, a intimação do contribuinte por meio de Diário Oficial viola o princípio da ampla defesa além de nulificar o processo administrativo (art. 5º, LIV e LV da CR).

Não se desconhece que persistem alguns nesta forma de intimação,  em nítida violação aos mencionados princípios, forçando a ida dos interessados nos processos administrativos à via judicial, para obtenção de decisão que reconheça a nulidade dos atos processuais praticados no processo administrativo.

É certo ainda, que essa espécie de intimação é admissível na hipótese de o interessado encontrar-se em local incerto e não sabido.

Sobre a violação ao princípio do devido processo legal por ausência de intimação pessoal do contribuinte, precedente do Superior Tribunal de Justiça, voto do Ministro Teori Albino Zavascki, com fragmento de ementa nos seguintes termos:

“É princípio constitucional e direito subjetivo do contribuinte o de que a aplicação de sanções seja precedida do devido processo legal, que delimita a imprescindibilidade de processo administrativo regular anterior à prática de atos da Administração que venha a interferir na esfera de direitos e interesses particulares dos indivíduos, como forma de coibir arbitrariedades e realizar a vontade contida na lei.

A Lei Estadual nº 888/1996, que estabeleceu o Código Tributário Estadual, vigente à época dos fatos, previu que, nos procedimentos administrativos-fiscais, a intimação do contribuinte seria pessoal (art. 16). Assim, não é eficaz a intimação efetuada somente por Diário Oficial. Se o contribuinte não foi eficazmente intimado da obrigação acessória (para  atualização de dados cadastrais) que lhe foi imposta, nem da penalidade que, no mesmo ato, lhe foi aplicada, resta violado o princípio do devido processo legal” [i]

Em igual sentido, precedente do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do Ministro Humberto Gomes de Barros, com a seguinte ementa:

“ADMINISTRATIVO – INTIMAÇÃO PELA IMPRENSA – NECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL – INTIMAÇÃO PESSOAL EFETIVADA EM PARALELO ÀQUELA FEITA ATRAVÉS DO JORNAL. I – A intimação das partes constitui requisito para que se observe o cânone do contencioso e da plena defesa. II – Salvo previsão legal, as intimações consumam-se através comunicação pessoal. Não se pode estender ao procedimento administrativo – sem previsão legal – o sistema de intimação ficta consagrado no Art. 236, § 1º do Código de Processo Civil”.[ii]

Outro não é o entendimento do Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, como se constata de julgado de sua relatoria dentro dos seguintes termos:

“DEVIDO PROCESSO LEGAL – INFRAÇÃO – AUTUAÇÃO – MULTA – MEIO AMBIENTE – CIÊNCIA FICTA – PUBLICAÇÃO NO JORNAL OFICIAL – INSUBSISTÊNCIA. A ciência ficta de processo administrativo, via Diário Oficial, apenas cabe quando o interessado está em lugar incerto e não sabido. Inconstitucionalidade do § 4º do artigo 32 do Regulamento da Lei nº 997/76 aprovado via Decreto nº 8.468/76 com a redação imprimida pelo Decreto nº 28.313/88, do Estado de São Paulo, no que prevista a ciência do autuado por infração ligada ao meio ambiente por simples publicação no Diário”.  [iii]

   Por conseguinte, e sem desmerecer os entendimentos em sentido diverso, a intimação do Administrado em processo administrativo, sem o anteparo que motivos justificáveis e fundados em lei, na hipótese, por exemplo, de o interessado encontrar-se em local incerto e não sabido,  conduz à nulidade do ato administrativo dele decorrente e de todo o processo.

Notas e referências bibliográficas

[i] STJ. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 18223/TO (2004/0066424-0), 1ª Turma do STJ, Rel. Teori Albino Zavascki. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=2617184&num_registro=200400664240&data=20060925&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 24 ago. 2018. (Destacou-se).

 [ii] STJ. RMS 12544 / PB. Relator: Min. Humberto Gomes de Barros. Disponível em:  http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=12544&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=6 . Acesso em: 22 jul. 2008.

[iii] STF, Ministro Marco Aurélio. RE nº 157.905-6. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=212507. Acesso em: 24 ago. 2018.

15 de agosto de 2018

O Descabimento de Decisão Padrão, Genérica ou Estereotipada

Filed under: DIREITO PROCESSUALCIVIL — lcbsa2 @ 19:12

Com o advento do  novo Código de Processo Civil [i]  há expressa vedação para fundamentação genérica.[ii] Essa espécie de decisão se caracteriza por sua possibilidade de aplicação a qualquer caso. Ela é chamada no campo jurídico como decisão genérica, padrão, estereotipada, dentre outras rotulações.

Não se desconhece que pululam ainda decisões com essa mácula e que em alguns casos, em visível descaso ao ordenamento processual, são mantidas e com certa frequência.

No entanto, não é esse o entendimento adequado, como se extrai da esclarecedora lição de Alexandre Freitas Câmara:

“Decisão como esta, a rigor, poderia ser utilizada em qualquer caso. E decisão que serve para qualquer caso, na verdade, não serve para caso algum”[iii].

Em igual sentido, a lição de FREDIE DIDIER JR., RAFAEL ALEXANDRIA DE OLIVEIRA e PAULA SARNO BRAGA:

“A motivação tem conteúdo substancial, e não meramente formal. É bastante comum o operador do direito deparar-se, no seu dia-a-dia, com decisões do tipo “presentes os pressupostos legais, concedo a tutela provisória”, ou simplesmente “defiro o pedido do autor porque em conformidade com as provas produzidas nos autos”, ou ainda “indefiro o pedido, por falta de amparo legal”. Essas decisões não atendem à exigência da motivação: trata-se de tautologias. Exatamente por isso, não se podem considerar fundamentadas. O magistrado tem necessariamente que dizer por que entendeu presentes ou ausentes os pressupostos para a concessão ou denegação da tutela provisória; tem que dizer de que modo as provas confirmam os fatos alegados pelo autor (e também por que as provas produzidas pela parte contrária não o convenceram). Em hipóteses como essa, Calmon de Passos sugere que se “consulte uma sibila, para desvendar o pensamento do magistrado. Decisão sem fundamento ou sem fundamento aceitável como tal, no mínimo que seja, é decisão nula, que não obriga e deve ser reformada” (CALMON DE PASSOS, 1998, p. 40). É disso que trata o inciso III do § 1.º do art. 489: da fundamentação genérica e tão desgarrada do caso concreto que se prestaria a justificar qualquer pronunciamento decisório. Este é um exemplo de fundamentação inútil”.[iv]

Na mesma linha de entendimento, as considerações de Cassio Scarpinella. Bueno:

“O § 1º do art. 489 indica as hipóteses em que a decisão – qualquer decisão, como ele próprio faz questão de evidenciar – não é considerada fundamentada, exigindo do julgador que peculiarize o caso julgado e a respectiva fundamentação diante das especificidades que lhe são apresentadas. Fundamentações padronizadas e sem que sejam enfrentados os argumentos e as teses trazidos pelas partes não serão mais aceitas”. [v].

Outra não é a lição de Humberto Theodoro Júnior:

“(c) Invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão (inciso III): é o que comumente ocorre quando o juiz, por exemplo, defere uma liminar, afirmando tão somente que estão presentes os pressupostos legais. Ao julgador cabe justificar o seu posicionamento, de maneira clara e precisa, não podendo, simplesmente, proferir uma decisão “padrão”, ou “estereotipada” [vi]

Em sede jurisprudencial, esclarecedor julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, da relatoria da Desembargadora Regina Lucia Passos, com a seguinte ementa:

“Decisão agravada que adotou a técnica de fundamentação genérica. Nulidade flagrante. Magistrado limitou-se a dizer que os requisitos autorizadores não estavam presentes. A Carta Política em vigor veda, expressamente, a ausência de fundamentação nas decisões judiciais: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade” (art. 93, inciso IX). A nova legislação adjetiva dispõe, no art. 489, §1º, III, que: “o juiz ao proferir um provimento jurisdicional, seja qual for, não poderá fazer uso de tese de fundamentação genérica, que por ventura possam embasar qualquer outra decisão”. Decisão que deve ser extirpada do mundo jurídico. Reconhecimento de ofício da nulidade. Recurso prejudicado. Jurisprudência e precedentes citados: 0035691-17.2016.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO -DES. RICARDO RODRIGUES CARDOZO – Julgamento: 18/07/2016 – DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL; 0053809-75.2015.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO – DES. SIRLEY ABREU BIONDI – Julgamento: 21/10/2015 – DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL; 0002526-41.2010.8.19.0209 – APELAÇÃO – DES. CRISTINA TEREZA GAULIA – Julgamento: 15/03/2016 – QUINTA CÂMARA CÍVEL; 0053428-45.2012.8.19.0203 – APELAÇÃO – DES. MARIA LUIZA CARVALHO – Julgamento: 21/01/2016 – VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR. NULIDADE DA SENTENÇA. PREJUDICADO O RECURSO”. [vii]

Por conseguinte, e sem desmerecer os entendimentos em sentido diverso, não se concebe mais à luz do Código de Processo Civil em vigor, sejam proferidas decisões padrões, genéricas, estereotipas, que se prestam a justificar qualquer outra decisão.

Notas e referências bibliográficas

[i] BRASIL. Lei Nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm . Acesso em: 16 ago. 2018.

[ii] Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

§ 1º.  Não Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

 [iii] CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. E-Book, n/p

 [iv] (CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. E-Book, n.p.).

[v] BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. 3. ed.  São Paulo: Saraiva, 2017, e-pub, n.p.

[vi] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. V. I. 56 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, e-book, n.p.

 [vii] TJRJ. AI. 0028160-40.2017.8.19.0000. Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=2017.002.33339 . Acesso em: 13 mar. 2018). .

13 de agosto de 2018

É possível a purga de mora em contrato com alienação fiduciária de imóvel após a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário? (PUBLICAÇÃO NA revista atual 2018).

Filed under: DIREITO IMOBILIÁRIO - CASA PRÓPRIA — lcbsa2 @ 20:01

ARTIGO REVISTA ATUAL 2018

16 de maio de 2018

A violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, previstos no artigo 8º do Código de Processo Civil, desafia a interposição de recurso especial ou extraordinário?

Filed under: DIREITO PROCESSUALCIVIL,Juros — lcbsa2 @ 22:03

A interpretação de norma processual em desconformidade com a Constituição da República desafia a interposição de recurso extraordinário. Essa é a adequada interpretação apresentada pela doutrina especializada à luz de alguns dispositivos do Código de Processo Civil.

É certo que sustentarão alguns que o comando do Código de Processo Civil é de natureza infraconstitucional e que o recurso adequado é o especial, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça foi criado para funcionar como guardião da legislação federal para que a ela não se contrarie e negue vigência.

No entanto, o posicionamento doutrinário que emerge da interpretação do Código de Processo Civil,  conduz para o entendimento de que o recurso adequado é o extraordinário quando o intérprete se defronta com os chamados artigos “clones” da Constituição da República.

Nessa linha de entendimento e em comentários ao artigo 1º do Código de Processo Civil,  ilustrado com julgados do Superior Tribunal de Justiça, a esclarecedora lição de Fredie Didier:

“O art. 1.º do CPC impõe que o direito processual civil deve ser construído e interpretado em consonância com a Constituição Federal. Do ponto de vista normativo, o enunciado reproduz uma obviedade: qualquer norma jurídica brasileira somente pode ser construída e interpretada de acordo com a Constituição Federal. A ausência de dispositivo semelhante no CPC não significaria, obviamente, que o CPC pudesse ser interpretado em desconformidade com a Constituição.

O artigo enuncia a norma elementar de um sistema constitucional: as normas jurídicas derivam da Constituição e devem estar em conformidade com ela. Essa norma decorre do sistema de controle de constitucionalidade estabelecido pela Constituição Federal. Esse truísmo normativo ainda gera uma perplexidade: se a decisão interpretar a norma processual em desconformidade com a Constituição Federal, além de contra ela caber recurso extraordinário, caberá também recurso especial, por violação ao art. 1.º do CPC? Não, certamente não: o art. 1.º apenas reproduz uma norma constitucional, segundo o qual as normas infraconstitucionais devem obediência à Constituição. Trata-se de um “clone legal” de norma constitucional, conforme designação utilizada pelo Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu o cabimento de recurso extraordinário nessa hipótese (STJ, 2.ª T., EDcl no REsp 181.913, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 06.04.1999, DJ 31.05.1999; STJ, 2.ª T., AgRg no REsp 179.653, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 05.03.1999, DJ 19.04.1999; STJ, 2.ª T., EDcl no REsp 71.964, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 12.06.1997, DJ 30.06.1997). De todo modo, caso tenha sido indevidamente interposto o recurso especial, aplica-se o art. 1.032, que impõe a observância de regra de fungibilidade, para que o recurso seja processado como extraordinário. O conteúdo normativo deste artigo é constitucional, não infraconstitucional. O enunciado é texto de mera reafirmação de texto da Constituição – exemplo claro de legislação simbólica: repete-se, em fonte normativa de nível inferior, o enunciado normativo de nível superior, sem qualquer novidade, nem mesmo a atribuição de maior densidade normativa ao comando constitucional. Deste artigo não decorre normatividade infraconstitucional. Violar o art. 1.º do CPC é violar a Constituição Federal. Do ponto de vista simbólico, no entanto, o enunciado é muito importante. Embora se trate de uma obviedade, é pedagógico e oportuno o alerta de que as normas de direito processual civil não podem ser compreendidas sem o confronto com o texto constitucional, sobretudo no caso brasileiro, que possui um vasto sistema de normas constitucionais processuais, todas orbitando em torno do princípio do devido processo legal, também de natureza constitucional. O enunciado é, ainda, manifestação clara de reconhecimento da força normativa da Constituição, um dos aspectos fundamentais do pensamento jurídico contemporâneo. Não foi por acaso, portanto, que o legislador resolveu fazer essa declaração logo no primeiro artigo, como uma espécie de preâmbulo do novo Código de Processo Civil. A referência a “normas constitucionais” é correta. A Constituição não é fonte apenas de princípios; dela decorrem regras jurídicas, também – proibição de prova ilícita e exigência de motivação das decisões são exemplos de regras constitucionais processuais. Por isso, “normas”, que é designação genérica, a englobar os princípios e as regras constitucionais. A referência aos “valores constitucionais” é estranha e inoportuna. Justiça social, segurança jurídica, proteção da família, liberdade, dignidade da pessoa humana, solidariedade são exemplos de valores constitucionais – boa parte dos quais já normatizados. O valor é aquilo que é bom. A constitucionalização de uma série de valores os transformou em normas jurídicas (princípios). Princípio é norma que determina o que deve ser. O valor é objeto da axiologia; o princípio, como dever ser, da deontologia (ALEXY, 2008, p. 146-153; ZANETI JR., 2004b, p. 319-321, § 3.2.3.6) Os “valores constitucionais”, cujo rol não é claro nem está previsto expressamente em lugar algum, funcionam como instrumento retórico para a aplicação de normas jurídicas. Mas valores não são normas jurídicas, embora sirvam de inspiração a elas. O órgão julgador deve decidir com base em normas jurídicas – os valores servirão para auxiliar o órgão julgador na atividade hermenêutica. Aliás, o próprio CPC, no art. 8.º, impõe que o juiz observe a “legalidade”, que, no caso, significa o dever de decidir conforme o Direito positivo – não necessariamente escrito (costume, por exemplo), não necessariamente a lei (Constituição, por exemplo), não necessariamente estatal (negócio jurídico, por exemplo). Teria sido melhor que não houvesse referência aos “valores”. Preocupa-me decisões judiciais que se afastem de normas jurídicas, contentando-se com a referência ao sempre etéreo e indeterminado jargão do “valor constitucional”. “No direito o que importa é o que deve ser” (ALEXY, 2008, p. 153). Os arts. 1.º e 3.º da Constituição Federal e o extenso rol de direitos fundamentais e sociais nela previstos cumprem o mesmo papel que se pretende atribuir aos “valores constitucionais”, com a diferença clara e importante de que são normas jurídicas” [i]  (Destacou-se).

E a lição se espraia no comentário ao artigo 8º do mencionado Código de Processo Civil ao se referir  à violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, desta feita com o anteparo de julgados do Supremo Tribunal Federal:

 Máximas da proporcionalidade e da razoabilidade. O art. 8.º impõe ao órgão julgador que observe os deveres de proporcionalidade e razoabilidade. Esses deveres decorrem de normas jurídicas, ora consideradas como postulado, ora como princípio, ora como regra, conforme seja o pensamento doutrinário que se adotar. Para estes comentários, o fundamental é destacar a natureza de norma jurídica das máximas da proporcionalidade e da razoabilidade.

A experiência jurídica brasileira assimilou o devido processo legal de um modo bem peculiar, considerando-lhe o fundamento constitucional das máximas da proporcionalidade. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal extrai da cláusula geral do devido processo legal os deveres de proporcionalidade ou razoabilidade (STF, RE 374.981, Rel. Min. Celso de Mello, j. 28.03.2005). O STF fez uma amálgama entre proporcionalidade e razoabilidade, a partir do devido processo legal (FERRAZ JR., 2007, p. 37-46).

Fala-se, então, em um devido processo legal substantivo ou substancial (MENDES, 2004, p. 46 e ss.; CASTRO, 2005, passim; LIMA, 1999, p. 274; FERRAZ JR., 2007, p. 37-46; LUCON, 2009, p. 382; ASSIS (Augusto), 2001, p. 63; BRAGA, 2008, p. 188 ss.; FERNANDES, 2003, p. 41-42; BARROS, 2003, p. 91-100).

Sérgio Mattos, embora critique a construção brasileira, demonstra que a concretização do devido processo legal substancial pela jurisprudência do STF é bem ampla e vaga, abrangendo a proibição de leis e decisões aberrantes da razão, passando pela exigência de normas razoáveis e racionais, até a necessidade de perquirir-se se, em conflito entre dois bens jurídicos, a decisão afigura-se adequada (apta a produzir o resultado almejado), necessária (insubstituível por outro meio menos gravoso) e proporcional em sentido estrito (se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um bem jurídico e o grau de realização do outro) (MATTOS, 2009, p. 97). De qualquer forma, as máximas da proporcionalidade e razoabilidade possuem natureza constitucional. O desrespeito a essas normas dá ensejo a recurso extraordinário, tal como explicado nos comentários ao art. 1.º. A brevidade desses comentários impede que se disserte sobre as nuances dogmáticas da proporcionalidade e da razoabilidade. A bibliografia monográfica sobre o assunto é imensa e bem conhecida. Além dos livros citados, há, por exemplo, as excelentes contribuições de BONAVIDES, 1998; GUERRA FILHO, 1996; ÁVILA, 2011; SILVA, 2009, p. 168-169. Especificamente sobre a relação entre essas máximas e o processo civil, há, também, vasta bibliografia: QUEIROZ, 2000; GÓES, 2004; BONÍCIO, 2006; ÁVILA (Thiago), 2007; AGUIRRE, 2005; ARAÚJO, 2004; CAPONI, 2011; FERNANDES, 2003”.[ii]. (Destacou-se).

Sobre o assunto, julgado do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do Ministro Ari Pargendler:

“Uma causa que, potencialmente, exigiria o exame de questões constitucionais ou de questões federais infraconstitucionais pode, e isso não é raro, ser decidida sem qualquer referência a esses temas.   Hipótese em que, decidindo a respeito do direito adquirido, embora sem citação do artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal ou o artigo 6º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, o acórdão tem fundamento constitucional.   Mesmo que tivesse sido referido o artigo 6º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, isso não transformaria esse fundamento do julgado em tema de direito infraconstitucional.   As normas constitucionais não perdem o caráter quando reproduzidas em leis ordinárias; pelo contrário atraem a questão resultante da aplicação do clone legal para o âmbito do recurso extraordinário.   Embargos de declaração acolhidos em parte”. [iii]

Em igual sentido, julgado da relatoria do Ministro Francisco Falcão, com fragmento de ementa dentro dos seguintes termos:

“Entretanto, nesse ponto, incognoscível o recurso especial. A um por que, como reconhece a própria recorrente, a questão relativa à aplicação da sanção resvala no art. 5º, XLV da CF/88, cuja apreciação por parte do STJ caracterizaria usurpação de competência constitucionalmente atribuída ao STF. Ainda que objetivamente violada a legislação infraconstitucional, o fato da norma inferior ser reproduzida pela Constituição não retira da matéria a natureza constitucional. Essa é a jurisprudência desta Casa”  [iv]

Por conseguinte, e sem desmerecer os entendimentos em sentido diverso,  violado o comando do artigo 8º do Código de Processo Civil no que diz respeito aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade,  o recurso extraordinário é o remédio jurídico apropriado, uma vez que se trata de violação à Constituição Federal.

Notas e referências bibliográficas

 [i] CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. E-Book, n.p..

[ii] (Obra citada).

[iii] STJ. EDcl no REsp 181913 / PR. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/listarAcordaos?classe=&num_processo=&num_registro=199800511601&dt_publicacao=31/05/1999 . Acesso em: 16 maio. 2018. .

[iv] STJ. REsp 1137241. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.3&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&num_registro=200901661530 . Acesso em: 16 maio. 2018.

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